Não sabemos quantas horas vai durar o nosso dia.
Não sabemos mais se teremos paz à noite, para dormir sossegados.
Não se sabe, entre os ruídos ao entardecer, qual é o toque do sino e qual o toque de recolher...
Tudo fica suspenso no ar.
Sente-se medo de levantar-se pisando sangue na rua.
Medo de não voltar para casa. Medo pelo futuro de nossos filhos.
Gostaríamos que existisse alguma coisa que valesse a soma dos nossos dias.
Alguma coisa que compensasse todo o nosso trabalho, o esforço de viver.
Mas apesar de tudo, a gente prossegue.
Voltamos pra rua, tomamos o táxi, o ônibus, a lotação.
Voltamos a ler o jornal ou qualquer coisa pra esquecer.
Folheamos a revista da moda, olhamos televisão, seguimos a novela.
Empolgamos, tomamos partido e vamos nos envolvendo em sua trama.
Informa-se, enforma-se, deforma-se e nos conformamos com tudo.
Numa noite qualquer nos contentamos com um pouco de amor,
com um pouco de sexo.
Vai e nos deixamos cair em qualquer braço...
Então se começa a sentir saudades daquelas coisas primeiras,
daquele nosso rosto adolescente.
Saudades daquele nosso amor de primeira hora.
Os primeiros abraços e beijos,
os primeiros latejos do coração.
Saudades do nosso gesto forte.
O corpo todo entregue,
o nosso amor sem reservas.
Vontade de voltar àqueles dias sem nuvens,
àqueles dias de voos leves.
Pela janela observamos o vento que agita as folhas secas das árvores no nosso quintal.
Vento que açoita sem razão a alma ferida da gente.
Mas Deus que é poderoso, que é só ternura e amor, fará do ruído das nossas folhas secas um murmúrio bom para seu louvor.
Um humo bom onde jogar outras sementes,
as sementes dos nossos filhos e netos.
Só por isso, sabendo que se é uma semente no campo arado, triturado, cansado do Senhor,
temos ainda força de sair mais uma vez à rua,
com esperança de voltar no fim da tarde...
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