Você se lembra? Quase sem perceber você falou:
-Aqui nesse mundo a gente não vale nada mesmo!
Sua mãe chorava muito. Depois, aquela tristeza toda nos olhos de cada um. Com o passar do tempo, todos se conformaram. Compravam flores e levavam para enfeitar o túmulo dela. Mas os olhos de sua mãe sempre marejando lágrimas. Seu coração nunca esquecendo. Suas mãos sempre tocando as coisas, folheando um álbum velho e se lembrando. O rostinho da filha estampado em cada coisa e espalhado por toda a casa e seus gritos de criança ainda ecoando pelo quintal...
E depois? Aquele avô de quem a gente tanto gostava, que contava histórias. E depois? O tio, que vinha sempre a nossa casa e brincava fazendo a gente rir muito. Você ainda se recorda dele, de sua fisionomia, das roupas que ele usava? Morreu rindo em meio às ferragens de um carro numa noite chuvosa.
Depois você nem quis acreditar! Lá se foi aquele amigo de infância. Tinham estudado e ido à escola juntos. Tinham brincado e repartido a merenda. E depois? Foi a prima que ficou cega, foi a filha que nasceu paralítica, o irmão que fugiu de casa, o sobrinho que se tornou viciado...
O tempo vai passando. Um dia, numa certa hora, voa para o céu nossa velhinha mãe. E cheio de reumatismo, segue-a nosso pai velhinho e ainda descontente com o tempero da comida. Atrás dele nosso irmão mais velho. Um dia é a hora do nosso chefe, do prefeito e um infarte leva nosso artista preferido. Vamos ao enterro do político, que prometeu mundos e fundos e só se aproveitou do povo...
Então, como num passe de mágica, começamos a entender: somos criaturas sujeitas a tantos desencontros, presas ao limite. Somos homens, não somos deuses. Nosso cabelo logo, logo se embranquece. E nosso corpo, que era um corpo jovem, logo fica rebelde e cheio de dores...
É preciso mais uma vez que se entenda: somos homens, não somos anjos. A fragilidade é a casa de nossa morada. O limite é a nossa condição. Nãp viemos para cá com passaporte permanente. Estamos em travessia. Estamos construindo o barco que nos levará de volta à outra margem. Somos alguma coisa inacabada. Uma criança ainda em gestação.
A semente da eternidade está plantada bem dentro de nós. Um dia ela deve rasgar a terra e se mostrar ao Sol. A vida com suas dores e sofrimentos aceitos é que nos gera para DEUS.
É preciso crer que dentro da casca que você é, existe uma semente de eternidade...
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